“Não sei quem é meu público exatamente. Quero que todo mundo ouça essa história, mas minha editora diz que os seres humanos adultos podem não levar a sério um animal que fala”.
Em um estilo bem A Fuga das Galinhas, David Duchovny nos apresenta, no infanto-juvenil Holy Cow – Uma Fábula Animal, Elsie Bovary, uma vaca muito divertida que um dia, por acaso, acaba descobrindo que o seu destino, e o de todas as suas amigas e familiares, é não só ter seu leite explorado mas também, em um futuro próximo, ser abatida e virar um pedaço de carne na mesa de um humano. O choque é tão grande que ela acaba desmaiando.
“Seres humanos comem qualquer coisa se um salzinho e uma manteiguinha forem acrescentados à coisa. E manteiga é feita do nosso leite. Isso me faz sentir estranhamente cúmplice e culpada”.
Uma vez recuperada do choque, Elsie não se conforma com seu destino e começa a elaborar um complicado plano para fugir da fazenda e se salvar. O que impediria de outra pessoa qualquer abatê-la? A resposta de Elsie é simples: bastaria pegar um avião para a Índia, onde as vacas são sagradas e ela poderia viver uma vida de rainha. E Elsie não é a única a descobrir um lugar onde seria seguro para ela; Shalom, o porco, que buscará refúgio em Israel, e Tom Turquia, que irá em busca do país que lhe dá nome, se unirão a ela nessa jornada.
Como um bom infanto-juvenil, precisamos suspender qualquer juízo sobre a probabilidade de algo como uma vaca, um porco e um peru conseguirem se passar por seres humanos e embarcarem em um avião com sucesso para aproveitarmos a leitura de Holy Cow. Mas, passada essa desconfiança inicial, o que temos aqui é uma leitura muito divertida, claro, mas também bastante crítica, pois Elsie constantemente fala diretamente conosco, humanos, apontando o dedo na ferida com firmeza.
“Tudo que vocês, humanos, fazem é pegar, pegar, pegar da Terra e de suas criaturas magníficas, e o que dão em troca? Nada. Sei que os humanos consideram um insulto grave ser chamados de animais. Bem, eu nunca daria a um humano a honra de ser chamado de animal porque os animais podem até matar para viver mas não vivem para matar. Os humanos vão precisar reconquistar o direito de serem chamados de animais”.
Acho, inclusive, que o autor poderia até ter ido mais longe no aspecto crítico da obra, principalmente no que tange a resolução final. Mas o que ganha mesmo destaque é a voz de Elsie que, para mim, consegue ser divertida, original e ainda encaixa uns bons tapas na cara. Acaba sendo um livro ótimo não só para quem está nessa faixa etária, mas também para quem curte uma leitura leve, engraçada e um pouco surreal.
“Temos o que vocês, pessoas, chamam de ‘tradição oral’. Histórias e ensinamentos são passados de mãe vaca para filha bezerra, e de geração em geração. Do mesmo jeito que vocês receberam sua Odisseias e suas Ilíadas. Por meio de trovas até. Foi mal por bombardear você com esses nomes difíceis. Homero. Bum. Pode deixar que eu espero enquanto você pega essa”.